Eu estava esperando justamente por este momento

Não consigo pensar numa iniciativa mais contraproducente para um tímido do que obrigá-lo a ter aulas de teatro. Passei por isso durante os anos 80, no famoso metrô do Colégio Bom Jesus – Centro. Especificamente, aconteceu em 1986. Foi um ano ruim da minha infância, tudo meio bagunçado em casa. Aí eu ia pra escola pra desbaratinar. Lá me incomodavam porque eu era magrela, comprida, orelhuda e dentuça. Fiz todo o esforço possível para me tornar invísivel (ou gostosa – neste, não sucedi) e o colégio me ajudou a conseguir exatamente o contrário. O professor de teatro era Armando Maranhão. Um cara carismático, bem-intencionado, alegre, quase sempre usando grava borboleta. Eu até que gostava dele. Talvez fosse mais uma invejinha branca do que um gostar. Todo aquele desembaraço e autoconfiança, mesmo sendo uma figura muito excêntrica de 1,50m e orelhas de um palmo. Sair da redoma parecia possível, afinal, ainda que não fosse exatamente o meu desejo naqueles tempos.

Armando Maranhão encara o futuro enquanto todos se atêm ao passado.

Pois bem. Não me lembro qual era a periodicidade das aulas de teatro, não tenho certeza se duraram o ano todo. Mas guardo com clareza o momento em que o professor explicou qual seria nossa primeira atividade: decorar um texto e declamá-lo sobre o tablado, com toda a turma na plateia, encarnando emoções diversas: tristeza, medo, alegria, euforia, etc.

Pavor. Semaaaaanas e semanas de pavor até que chegasse a data da minha performance. As apresentações aconteceram “por ordem de chamada”. Nos longínquos 80s, os meninos vinham antes das meninas, mas eu seria uma das primeiras meninas porque meu nome começa com C, e não com K (única vez na vida em que achei vi alguma vantagem no K). Quatro ou cinco participações por aula. Em cinco/seis semanas eu estaria sob os holofotes. Sangue, suor e lágrimas.

Chegou o dia. Não me lembro de nada (vaias, observações, bolinhas de papel, suadeira, etc). Nada. NADA exceto o texto que me esbofeta a memória cada vez que leio Maranhão, cuja conclusão se encaixa com sordidez no que passei durante aqueles tempos:

“O relógio bateu doze pancadas.
É meia noite.
Eu estava esperando justamente por esse momento:
Diga, repita – eu mereço isso?
Mereço? “